Luis
Fernando Verissimo é um escritor brasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e
textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes, publicados
diariamente em vários jornais brasileiros.
Hoje
apresento o texto abaixo, “a aliança” que faz parte da obra “As mentiras que os
homens contam”, consagrada pelas irreverências e diversidades de casos fictícios
envolvendo o cotidiano do sexo masculino, sob a perspectiva do olhar real da
vida.
Ele
estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à
mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca
será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda
pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um
pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e
preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o
desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro
tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências...
Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava
fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e
caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer
a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um
bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a
acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para
casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele
entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
—
Você não sabe o que me aconteceu!
—
O quê?
—
Uma coisa incrível.
—
O quê?
—
Contando ninguém acredita.
—
Conta!
—
Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
—
Não.
—
Olhe.
E
ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
—
O que aconteceu?
E
ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no
asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e
desaparecendo.
—
Que coisa - diria a mulher, calmamente.
—
Não é difícil de acreditar?
—
Não. É perfeitamente possível.
—
Pois é. Eu...
—
SEU CRETINO!
—
Meu bem...
—
Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa
aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa.
Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em
que só um imbecil acreditaria.
—
Mas, meu bem...
—
Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro
do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!
E
ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou
em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara?
Nada, nada. E, finalmente:
—
Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
—
Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho
desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela
fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos
depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles,
mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
—
O mais importante é que você não mentiu pra mim.
E
foi tratar do jantar.
(Do
livro "As mentiras que os homens contam)
Luiz
Fernando Verissimo
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