Você já praticou algum tipo de silêncio hoje?
Para fazer aos outros a vida amável, tão importante quanto a palavra cordial e o diálogo é o silêncio. A caridade para com o próximo exige saber calar. «Não abras a boca – diz um velho provérbio – senão quando estiveres certo de que as tuas palavras serão mais belas que o teu silêncio».
Silêncios medicinais
Existem muitas palavras que tornam desagradável a vida aos que escutam. São Paulo exorta assim os efésios: Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que for útil e, sempre que for possível benfazeja aos outros (Ef 4,29).
“Palavras más” não são apenas as palavras maldosas que ferem ou causam dano ao próximo (insulto, humilhação, calúnia, mentira[1]), mas as que – ainda que banais – de algum modo incomodam e tornam desagradável o convívio. É comum que bastantes pessoas se dediquem quase habitualmente a aborrecer os outros com a sua língua e nem suspeitem disso. Façamos um exame de algumas dessas possíveis palavras nossas, que estão precisando de que lhes apliquemos a medicina do silêncio.
a) Palavras emocionais. Quantos repentes! Quantas respostas bruscas, quantas censuras de pequenas falhas, feitas na hora, quantas exclamações nervosas e pouco delicadas; quantas avaliações precipitadas (“então, você esqueceu..!”); quantos comentários impensados e imprudentes… tornam desagradável o relacionamento e carregam o ambiente do lar ou do trabalho.
É preciso lutar para exercitar-nos no silêncio medicinal. Segurar a língua é uma mortificação santa, difícil mas necessária. «O silêncio torna-nos melhores – dizia a grande educadora Lubienska de Lenval –, o silêncio é uma conquista de nós próprios»: um ato de autodomínio que pode ser alcançado pouco a pouco, com a graça de Deus , se nos exercitamos em lutar por dominar a língua. Bem afirmava o místico alemão Tauler que «o silêncio é o anjo da guarda da fortaleza». Só a alma espiritualmente forte consegue dominar emoções que espirram em palavras impensadas.
b) Torrentes de palavras: a loquacidade incontrolada, a tagarelice da pessoa que fala, fala, fala…, e nem deixa falar, nem escuta, nem se apercebe de que está sufocando os demais. «Depois de ver em que se empregam , por completo! muitas vidas (língua, língua, língua, com todas as suas consequências), parece-me mais necessário e mais amável o silêncio» (Caminho, n. 447).
O filósofo Kirkegaard deve ter sofrido com esses tsunamis verbais, porque, já cansado, dizia: «Se eu fosse médico e me pedissem um conselho, responderia: calem-se; façam calar os homens».
A muitos faria bem propor-se repetir todos os dias – e até muitas vezes ao dia – aquela oração do salmo: Senhor, ponha uma sentinela na minha boca! (Sl 39,2 Vg). Me dê um cutucão divino de alerta, quando a língua começa a perder o controle e a jorrar sem pausa.
c) Palavras vaidosas. Há pessoas que sempre tem que meter “colherada” e dar a sua opinião em tudo, mesmo que ninguém a peça. Pessoas que cortam a palavra dos outros e fazem prevalecer a deles para demonstrar que o outro está mal informado, ou sabe pouco, ou não sabe se explicar bem, ou não tem razão, ou diz um disparate.
É muito desagradável a atitude das pessoas que se obstinam «em ser o sal de todos os pratos» (Caminho, n. 48), e passam a vida dando “lições magistrais” sobre todos os assuntos de conversa. Aí já não se trata somente de lutar para controlar a língua, mas de pedir a Deus que nos ajude a aprofundar seriamente na virtude da humildade, pois o vício de “pontificar” é vaidade e orgulho.
d) Palavras secas. Há pessoas que habitualmente falam de modo, seco, áspero, cortante e breve. Se alguém as adverte, retrucam: “Mas eu não tenho raiva de ninguém, não estou zangado, é o meu modo de falar”. A resposta é: “É justamente este ‘seu modo’ antipático que tem que mudar, se você quer fazer a vida agradável aos outros vivendo a caridade cristã. Um pouco de suavidade afetuosa não lhe faria mal nenhum”.
Os silêncios do amor
Os silêncios do amor são muitos. Já viu a beleza da mãe, que contempla em silêncio amoroso o seu bebê no berço; ou os silêncios carinhosos e eloquentes dos que se querem bem? Não vamos falar de todos os belos silêncios. Apenas vamos pensar em dois:
a) A atenção. É a capacidade (a amabilidade) de escutar em silêncio, sem interromper. Já víamos que essa atitude é de respeito pelo outro e de caridade cristã. E dá alegria ao que, em boa fé, está a conversar conosco. Além disso, há pessoas muito solitárias que precisam, mais do que do alimento, de um coração que as escute com interesse.
Gosto de lembrar que faz muitos anos, quando eu era um padre novinho, ia visitar com frequência – por razões de trabalho – um velho bispo, que gostava de contar coisas da sua infância e juventude. Nas entrevistas, ele falava o tempo todo, e eu escutava sem dizer palavra, com um silêncio reverencial. Passados uns tempos, quase caí da cadeira quando soube, por um padre amigo, que o bispo dissera de mim que tinha “uma conversa muito agradável”. Se a única coisa que fazia era escutar!
c) O sacrifício silencioso. É maravilhosa a pessoa que sabe sofrer e sacrificar-se em silêncio, sem queixar-se nem por palavras, nem por olhares, nem por gestos.
Conheci uma porção de pessoas santas, que nunca reclamavam: nem da dor, nem do tempo, nem da comida, nem da doença. Como é agradável o convívio com elas. Fazem lembrar a atitude de Jesus durante a Paixão. Sofria e calava, por amor a nós. No meio de dores e injustiças brutais, Jesus, no entanto, permanecia calado (Mt 26,63).
Há casos heroicos, verdadeiros reflexos de Cristo na Paixão[2]. E há casos simples (também heroísmos ocultos) que podem ser imitados por todos. No mosteiro de Lisieux, onde morava Santa Teresinha, havia um freira que, sem se aperceber disso, tinha constantemente atitudes e comentários desagradáveis. Santa Teresinha propôs-se escutá-la e aceitar as suas inconscientes impertinências com grande paciência e sempre sorrindo. E a outra, ingênua como ela só, acabou comentando: “Não sei o que vê a irmã Teresa, que gosta tanto de mim”.
Não poderíamos encerrar bem este capítulo se nos esquecêssemos de falar do principal: que os maravilhosos silêncios de amor que fazem a vida agradável ao próximo, só podem nascer de um outro silêncio profundo, de um silêncio que purifica, aquece e transforma o coração: o silêncio com Deus, o silêncio da meditação, da oração íntima e cheia de amor, de humildade e de fé.
Tomara que nós pudéssemos repetir o que escrevia Ernest Psichari, neto de Ernest Renan – o famoso propagandista do ateísmo –, após a sua conversão: «A esses grandes espaços de silêncio – de silêncio com Deus – que atravessam a minha vida, devo eu afinal tudo o que em mim possa haver de bom. Pobres daqueles que não conheceram o silêncio! Porque o silêncio é o mestre do amor».
[1] Ver, a respeito desses defeitos, o livro A conquista das virtudes, cap., 21 e 22
[2] Vários exemplos são narrados no livro A paciência (Ed. Quadrantes)
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